ERA UMA VEZ: A VOLTA DO PROMETIDO


Trecho do depoimento de José Maria Rodrigues sobre "A Volta do Prometido", extraído do livro "Por Uma Dramaturgia de Raízes Populares":


Em 1976, o professor Pernambuco de Oliveira era o diretor do Centro de Artes da Uni-Rio e estabeleceu o primeiro concurso de dramaturgia destinado a alunos e ex-alunos da FEFIERJ/UNIRIO. O prêmio era de Cr$ 5.000,00 e a montagem do texto. Fiquei muito animado e reescrevi um texto em que vinha trabalhando para inscrever no concurso: A volta do Prometido, inspirado em A alma boa de Set-Suan, de Bertold Brecht, só que os meus deuses eram Jesus e Pedro que voltavam para procurar a alma boa. Depois de muito procurar a encontram no interior da Paraíba. Vali-me, ainda, de passagens de algumas histórias da literatura de cordel, da contística popular, histórias que minha mãe me contava quando criança, e estava pronto o texto, todo escrito em versos de cordel, versos de seis pés, como dizem os poetas populares.
O resultado foi que o texto ganhou o concurso. Uma grana bem vinda naquela altura do campeonato e calhou de eu estar terminando o curso de Direção Teatral. Montei como conclusão O Cordão, uma burleta do Arthur Azevedo, porque estava querendo testar o musical. Fui criticado por alguns colegas por estar montando um texto tão despretensioso em momento tão dramático da vida nacional, mas eu não liguei, tinha meus objetivos e minha resposta foi exatamente A volta do Prometido, que, por força do prêmio, montei no ano seguinte.
Foi um momento de muita alegria e de muita agitação para mim e meus colegas envolvidos na montagem, que contou com alguns professores na equipe técnica e artística, como a Armida Valleri, responsável pela direção musical. O coreógrafo foi Carlos Debret Os figurinos de Paulinho Molière, colega da turma de cenografia, apelido dado por nós porque ele tinha a cara do famoso comediógrafo, colega que já se foi para o andar de cima. O cenário de Olga Rezende e os atores eram alunos formandos do curso de interpretação e os músicos da escola Villa Lobos, que funcionava no andar de baixo do prédio.

Quando as coisas têm que dar certo até o que deveria ser empecilho ajuda. Os examinadores da Censura Federal – para quem hoje começa a fazer teatro e sabe que para se colocar um espetáculo em cena naquele tempo era necessário fazê-lo para dois censores, que tinham a força até de proibir o espetáculo, como fizeram no ano seguinte com um que dirigi, soa estranho, não? – pois, os dois examinadores, um senhor e uma gentil senhora, que depois da apresentação, me chamou para conversar e tentou me convencer que eu estava equivocado com algumas situações que colocava na peça, coisas como a corrupção policial, que só denegria a sociedade brasileira (a peça, não a corrupção, pelo jeito) no conjunto dos países. Ouvi sem contestar as ponderações, ao final ela falou que faria alguns cortes e pediu para que eu passasse depois para pegar a liberação. Quando fui buscar recebi o texto com cerca de dez páginas cortadas, trechos inteiros que tiravam completamente o sentido das cenas, como aquela do policial, que eu reescrevi correndo, fazendo uma síntese do que era. Esta foi uma cena que depois de reescrita achei que ficou melhor para o espetáculo do que a anterior. Outros trechos também suprimidos foram transformados em ação. Na verdade eu teria que submeter mais uma vez o texto à censura, mas isso seria inviável, porque a estréia iria acontecer dali a três, quatro, dias. Eu me comprometi que respeitaria os cortes da censura, mas não era aquilo que eu estava pensando, e assumi fazer o espetáculo transformando o que havia sido censurado em ações rápidas, síntese das cenas, e estreei como se nada tivesse acontecido.
A peça caiu no agrado do público e da crítica. Ficamos dois meses em cartaz no Palcão da escola, aquele todo queimado. Uma programadora do Departamento Geral de Cultura do município, foi ver o espetáculo e nos convidou para participar do Palco Sobre Rodas, e do projeto Teatro Aberto, em várias comunidades, o que deu uma versatilidade ao espetáculo que só platéias populares e lugares os menos previsíveis possíveis, são capazes de oferecer. Assim, tive oportunidade de conhecer os mais inusitados recantos do Rio de Janeiro, da Zona Norte à Zona Sul, desde favelas aonde íamos sem nenhum receio, até bairros populares, distantes. A seguir, fizemos temporada de um mês no SESC de S. J. de Meriti, além de clubes, teatros da periferia e de cidades vizinhas. Fechamos a carreira do espetáculo, um ano e meio depois, com uma temporada no Teatro do Planetário da Gávea. Terminamos com casa cheia, mas não encontramos outro teatro para outra temporada e os atores, catorze naquele momento, menos quatro que os dezoito iniciais, estavam se envolvendo noutros projetos, inclusive eu, que já ia partir para minha segunda peça: Cara a Cara, que havia ganho o mesmo concurso no ano seguinte.

Homenagem a Pernambuco


À MEMÓRIA DE PERNAMBUCO DE OLIVEIRA

Durante minha vida de estudante encontrei professores com quem aprendi sem esforço, onde as aulas eram sempre prazerosas e meu aprendizado acontecia naturalmente.

Sem querer desmerecer os demais, que todos desprenderam suas energias para me ensinar, alguns ficaram inesquecíveis pelo que me transmitiram como mestres e como pessoas, como autoridade moral e ética, e certo carinho.

Mas há dois professores em quem eu poderia sintetizar toda a atenção e todo o desvelo para me ensinar, e mais do que isso, o empenho para tornar meu trabalho conhecido. O primeiro foi Yan Michalski, que mesmo depois da escola de teatro me acompanhou nos meus trabalhos dando-me sua atenção valorosa. O outro, em quem sintetizo tudo isso, foi Pernambuco de Oliveira. Foi com ele que descobri que podia desenhar um cenário e construir uma maquete, o que me deu muita alegria. Foi ele que em sua gestão como Decano do Centro de Artes instituiu o concurso de Dramaturgia em que tive A Volta do Prometido premiada. Foi ele que conseguiu com o extinto Serviço Nacional de Teatro a verba para produzir o espetáculo, e mais ainda, foi por sua ingerência que o texto foi publicado na Revista de Teatro da SBAT, nº 422, coisas importantes para quem está começando uma carreira. Em determinada altura, parecia que a publicação não ia sair, ele pegou o telefone, ligou para lá e pediu uma posição. Poucos meses depois a peça era publicada. Mas na minha displicência, nunca agradeci a ele de público, na época era como se essas coisas acontecessem naturalmente, na minha ingenuidade era como se tudo fizesse parte do enredo e que não podia ser diferente. Mas essas coisas demandam esforços e empenhos, mas ele fazia tudo parecer natural, era do seu feitio, e me dedicou toda a consideração e atenção que pôde.

Eu poderia ficar aqui perfilando as suas qualidades artísticas e de ser humano preocupado com a arte e a educação, e neste sentido ele estava num ponto mais alto do que eu, mas quero lembrar de um breve momento, onde me senti mais próximo dele.

Em 1979, já fora da UNIRIO, programei uma Semana do Folclore no antigo SESC de Copacabana. Levamos artistas e alguns grupos, entre os quais, o Bumba-meu-boi de Caxias. Em determinada altura da noite, vejo o professor Pernambuco entrar salão adentro, com um sorriso enorme, queria saber quem estava programando tudo aquilo. Quando me apresentei e disse que era eu que estava à frente, ele me deu um forte abraço e ficou ainda mais feliz, disse que ouviu o som do seu apartamento e veio atrás, maravilhado por estar ouvindo aquilo em plena Copacabana, que aquela música estava fazendo-o voltar a infância. Nunca o tinha visto tão feliz. Era como se ele estivesse voltando ao seu Pernambuco. Ali ele não era o professor competente, o cenógrafo premiado, o Decano amado pelos colegas e alunos, era apenas um migrante nordestino igual a mim, saudoso de sua terra.

Ao professor Pernambuco de Oliveira, artista dos mais competentes, Decano do Centro de Artes da Unirio nas décadas de setenta e oitenta, pelo que me ensinou e ajudou no início de minha jornada, meu eterno obrigado.

José Maria Rodrigues

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Programação para o dia 27 de julho de 2007
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* 19h. - Lançamento do livro: POR UMA DRAMATURGIA DE RAÍZES POPULARES - Coletânea de peças e algumas histórias sobre o início de sua carreira de ator, dramaturgo e diretor teatral.
* 19:30h. - O Grupo OS GOLIARDOS apresentará uma seleção de seus poemas e seu conto
ENCURRALADO.
* 20h. - Gedivan de Albuquerque e Nonato Almeida, cantores/compositores, apresentarão músicas compostas para as peças publicadas no livro.
* 20:30h. A VOLTA DO PROMETIDO - Leitura dramática de sua peça de estréia, apresentada por parte do elenco original e atores convidados.
* 21:30h. - Homenagem do autor à memória de PERNAMBUCO DE OLIVEIRA, cenógrafo, professor e Decano do Centro de Artes da UNI-RIO nas décadas de setenta e oitenta.
* 21:45h. - Confraternização entre os vários elencos das peças escritas e dirigidas por José Maria Rodrigues.

Endereço: Rua Joaquim Silva, nº 56 - 7º andar- Lapa

A VOLTA DO PROMETIDO

Leitura Dramática
em 27 de julho de 2007

ELENCO:
(Ordem alfabética)

ATORES: PERSONAGENS:
Antônio Midon – Homem 1, 2 e 5
Antônio Ysmael – Jesus, Sargento
Fernando Pellizzer – Soldado, Padre
Flávio Mota – Pedro, Cobrador
Gedivan de Albuquerque - Propagandista
Graça Duarte – Mulher do Ferreiro
Henrique Britto – Marido da Prima, Homem 4
José Araújo – Diabo, Homem do Povo
José Maria Rodrigues - Ferreiro
Marco Amaral Correia – Escrivão, Coveiro
Renata Daflon – Prima, Mulher 3
Sônia Corte – Deputada, Moça
Sônia... – Mulher 1, 2 e 4

Um teatro mítico nacional



por Altimar Pimentel


A mítica do povo grego motivou o nascimento do Teatro, como a de todos os povos, tem alimentado as criações artísticas na estatuária, na pintura ou nas artes cênicas.
Os mais significativos artistas de diferentes países como Shakespeare, Goethe, Wagner, Bertolt Brecht, Ariano Suassuna retomaram temas populares e elaboraram obras universais e eternas.
Na trilha aberta, no romance, por um Guimarães Rosas, que retomou temas do romanceiro peninsular, e por Jorge Amado, João Ubaldo ou João Cândido de Carvalho entre outros; e no teatro por Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Francisco de Assis, vários dramaturgos brasileiros, mais jovens, vêm produzindo obras com marcas genuinamente nacionais, mas sem perda da universalidade pelo aprofundamento dos temas enfocados.
José Maria Rodrigues, ator, dramaturgo e editor, busca na mítica nordestina, mais precisamente da cidade de Mamanguape, Paraíba, a motivação para suas peças teatrais, marcadas pelo vigor temático e beleza poética.
As mesmas narrativas que prendiam um grupo de pessoas atentas ao narrador ou ao leitor da Literatura de Cordel, que também se serve de contos, lendas e mitos, são recriadas por José Maria com força telúrica e domínio da carpintaria teatral como poucos as fazem. Não escapa a este autor o elemento cômico que faz passar pelo crivo da observação cuidadosa e sensível de forma a destacar o risível das situações preexistentes e por ele recriadas.


A temática mítico-popular da obra deste dramaturgo decorre do fato de haver nascido e sido criado em uma região onde teve origem a Literatura de Cordel no Brasil, atualmente, estimada em 22 mil títulos, expressão sem semelhança em dimensão em qualquer outro país, inclusive Portugal, de onde emigrou para o Brasil. Junte-se a esta forma de expressão popular o incalculável número de mitos (indígenas), contos e lendas ainda existentes no território nacional, transmitido pela oralidade. Tem-se, assim, um artista voltado para seu povo, para a criação anônima, imperiosamente impelido a redimensioná-la, recriá-la, a fim de expor em toda a sua grandeza a alma de seu povo, a sua criatividade, a poética espontânea e bela. Para este desiderato, José Maria Rodrigues encontrou no teatro o meio adequado, pelo conhecimento direto das possibilidades do palco. A atividade de ator assegura-lhe total domínio da carpintaria teatral, indispensável ao dramaturgo, como se depreende de seus textos. Eis, portanto, um dramaturgo lúcido e competente no domínio de seu metier a produzir uma obra de grande força dramática e expressão poética, marcada pela boa técnica de construção do texto e recriação da mítica popular.

TRECHOS DE CRÍTICAS

“José Maria Rodrigues interpreta como poucos, o sentido popular do teatro.”
Jornal do Brasil


“O espetáculo defende a escola como a grande solução para a crise e tem coragem suficiente para propor a discussão dos fatos que estamos vivendo com deliberado cálculo didático.”
Jornal Última Hora


“José Maria ratifica uma posição lúcida perante a arte: repudia os salvadores; é inclemente.”
Jornal O Globo

“É um artesão cênico de enorme traquejo.”
Jornal O Dia

Macksen Luiz . Jornal do Brasil

“A trajetória de José Maria Rodrigues, tanto como autor como diretor, é de procurar formas dramáticas populares e recriá-las através de histórias que mencionem as agruras e os problemas do cotidiano das camadas mais pobres. Em O Homem de Nazaré servia-se das parábolas de Cristo para tratar de questões urgentes como o desemprego, a miséria e a inflação. Em O Dia Em Que Lampião Invadir o Rio de Janeiro se discute, basicamente, a distribuição de poder... A novidade é a presença de Lampião no Rio. Com bastante humor, brincando com os problemas e lançando músicas que completam a ação, O Dia Em Que Lampião Invadiu o Rio de Janeiro atinge uma possibilidade de comunicação verdadeiramente popular, sem resvalar para apelos popularescos e redundante...”
“José Maria Rodrigues interpreta como poucos, o sentido popular do teatro.”

Tânia Brandão - Jornal Última Hora

“Lampião, dirigindo-se a sociedade Civil, que aparece também em cena, chama uma professora para fazer o Boi Brasil ressuscitar. O espetáculo defende a escola como a grande solução para a crise e tem coragem suficiente para propor a discussão dos fatos que estamos vivendo com deliberado cálculo didático. É teatro escolar, portanto, da mais alta qualidade.”

Tânia Pacheco - Jornal O Globo

“José Maria Rodrigues cria uma espécie de ‘Alma boa’ nordestina. Os deuses – no caso Jesus e Pedro – vêm à Terra, buscando um justo. Quando já estão prestes a desistir, parecem encontrá-lo. E lhe dão meios para enriquecer, como uma forma de teste para ver se realmente é a salvação entre os homens. A partir dessa história se desenvolve uma trama bem-humorada. Quase ao final, leva-se um susto: de repente, parece que Ariano Suassuna vai entrar em cena e, mais uma vez, salvar o herói. É precisamente nesse final que José Maria ratifica uma posição lúcida perante a arte: repudia os salvadores; é inclemente.”

Armindo Blanco - Jornal O Dia

“José Maria Rodrigues apresentou O Banco da Miséria no recém-terminado I Festival Carioca de Teatro, conquistando o prêmio de Melhor Texto Inédito. É um artesão cênico de enorme traquejo no segmento teatral que, ao invés de alternativo, melhor seria chamado, com licença de Grotowski, de pobre, dado que, por se dirigir preferencialmente às camadas populares, jamais contou com patrocínios ou subvenções de vulto. Como teatrólogo, é a favor do povo, e todos os seus textos, notadamente os que se reportam a temas bíblicos, refletem essa opção.”

Uma dramaturgia de muitas raízes

Maria da Conceição Sá
(Jornais “O Nordestino” e “Mesa de Bar”)

José Maria Rodrigues Monteiro, paraibano radicado no Rio de Janeiro desde a década de setenta, estreou como autor teatral há 30 anos (março de 1977), com a peça "A Volta do Prometido". Para comemorar a data, ele lançou, no último dia 27, o livro Por Uma Dramaturgia de Raízes Populares, no Espaço Taba Cultural, na rua Joaquim Silva nº 56, 7º andar, na Lapa.
A obra é dividida em duas partes, na primeira, uma coletânea com algumas de suas peças cuja fonte de inspiração são a literatura e o teatro praticados pelas camadas populares e as manifestações folclóricas, e na segunda, algumas histórias sobre o início de sua carreira de ator, dramaturgo e diretor teatral.
A programação da noite foi extensa, contou com a participação do grupo Os Goliardos, que apresentou uma seleção de poemas de José Maria, e de Gedivan de Albuquerque, cantor, compositor, que apresentou uma seleção de músicas compostas para as peças publicadas no livro, além da leitura dramática da peça A VOLTA DO PROMETIDO, feita por parte do elenco original e atores convidados.
Um momento de muito significado da noite, por sua carga simbólica e emotiva, foi a homenagem prestada por José Maria Rodrigues à memória de Pernambuco de Oliveira, cenógrafo, dramaturgo, professor e decano do Centro de Artes da UNIRIO nas décadas de setenta e oitenta, quando José Maria cursou direção teatral e recebeu o apoio inestimável do professor no início da carreira.
A noite serviu ainda para confraternização entre os vários elencos das peças escritas e dirigidas por José Maria, que durante mais de duas décadas trabalhou para o SESC do Rio de Janeiro, onde foi responsável pelas atividades de Teatro do SESC da Tijuca. Produziu naquela instituição excelentes trabalhos, que, respaldados pela crítica e pelo público, permitiram a iniciação e a formação de artistas para as artes cênicas, pessoas que trabalham hoje no teatro, na televisão e no cinema, e que tiveram seu batismo artístico pelas mãos de José Maria. O evento significou uma bonita noite de encontros e reencontros.