Um teatro mítico nacional



por Altimar Pimentel


A mítica do povo grego motivou o nascimento do Teatro, como a de todos os povos, tem alimentado as criações artísticas na estatuária, na pintura ou nas artes cênicas.
Os mais significativos artistas de diferentes países como Shakespeare, Goethe, Wagner, Bertolt Brecht, Ariano Suassuna retomaram temas populares e elaboraram obras universais e eternas.
Na trilha aberta, no romance, por um Guimarães Rosas, que retomou temas do romanceiro peninsular, e por Jorge Amado, João Ubaldo ou João Cândido de Carvalho entre outros; e no teatro por Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Francisco de Assis, vários dramaturgos brasileiros, mais jovens, vêm produzindo obras com marcas genuinamente nacionais, mas sem perda da universalidade pelo aprofundamento dos temas enfocados.
José Maria Rodrigues, ator, dramaturgo e editor, busca na mítica nordestina, mais precisamente da cidade de Mamanguape, Paraíba, a motivação para suas peças teatrais, marcadas pelo vigor temático e beleza poética.
As mesmas narrativas que prendiam um grupo de pessoas atentas ao narrador ou ao leitor da Literatura de Cordel, que também se serve de contos, lendas e mitos, são recriadas por José Maria com força telúrica e domínio da carpintaria teatral como poucos as fazem. Não escapa a este autor o elemento cômico que faz passar pelo crivo da observação cuidadosa e sensível de forma a destacar o risível das situações preexistentes e por ele recriadas.


A temática mítico-popular da obra deste dramaturgo decorre do fato de haver nascido e sido criado em uma região onde teve origem a Literatura de Cordel no Brasil, atualmente, estimada em 22 mil títulos, expressão sem semelhança em dimensão em qualquer outro país, inclusive Portugal, de onde emigrou para o Brasil. Junte-se a esta forma de expressão popular o incalculável número de mitos (indígenas), contos e lendas ainda existentes no território nacional, transmitido pela oralidade. Tem-se, assim, um artista voltado para seu povo, para a criação anônima, imperiosamente impelido a redimensioná-la, recriá-la, a fim de expor em toda a sua grandeza a alma de seu povo, a sua criatividade, a poética espontânea e bela. Para este desiderato, José Maria Rodrigues encontrou no teatro o meio adequado, pelo conhecimento direto das possibilidades do palco. A atividade de ator assegura-lhe total domínio da carpintaria teatral, indispensável ao dramaturgo, como se depreende de seus textos. Eis, portanto, um dramaturgo lúcido e competente no domínio de seu metier a produzir uma obra de grande força dramática e expressão poética, marcada pela boa técnica de construção do texto e recriação da mítica popular.